Tal
Passara alguns perrengues durante o inverno. Ia do inchaço
na garganta à febre, e da febre à cama. Ardiam-me os ossos do frio, e batiam os
dois andares da boca. A primavera reservara-me alguma alergia e o verão não me
era saudável. Queria alguma entre-estação que me deixasse adormecer à tarde e
despertar à noite, assíduo e fiel às afiadas e fatídicas madrugadas insones, e
sem palpitações.
Fui ao
povo. E o povo a mim não veio, como se resistisse duramente às minhas
investidas homicidas. Fui ao mesmo porta-retrato em que estou, ríspido e
intacto, como em qualquer fotografia. Chorei tantas vezes lembrando do cheiro.
O róseo enfumaçado que enrabava as narinas. A ante-sala, repleta de adereços,
panos e desculpas esfarrapadas. O cheiro vinha de alguma panela, ou do ranger
da mesa, dos cacos de vidro ainda nem consumados, dispostos no copo, inteiro e
recheado por cima da pedra cinza. Não era um cheiro. Nem uma lembrança. Era o
choro pelo copo, pela solitude da mesa e pelos ires e vires da madeira na
panela. Vinha de lá, e assim retornaria ensaboado em alguma fenda que o relógio
dedicou a mim.
Nada tão
caseiro quanto a própria casa. A velha casa adocicada, corroída e romantizada
pelo impávido olhar do tempo. Os meios e estratagemas, fins e arrependeres.
Tudo era cheiro indecifrável, como alguma navalha sem uso, humilhada por entre
fêmeas e homossexuais.
Deito-me
outra vez, esperançoso de alguma desesperança. Adormeço e não vejo tudo.
Contento-me com a paz da perda, com a salubridade das intenções revogadas, não
admitidas e deixadas de lado feito os dias. Lembro de virar-me, de abrir os
olhos e querer fechá-los. Lembro-me de uma canção, e dos amores insanos que
dediquei masturbações respeitosas, cuidadosamente escritas no tesão em branco. Escuto as
veias. Assim espero a próxima enfermidade.
3 Comments:
Um conto? Muito mais do que isso. Bom pra cacete!
Gênio.
Mais uma vez maravilhoso. Tua estética é invejável! E é tanto escritos de merda por aí... por favor, continue.
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