quinta-feira, julho 09, 2020

Influenciadores Digitais. Os Digital Influencers, como conhecidos na língua surgida nos reinos anglo-saxônicos da Inglaterra. Youtubers, blogueiras e histéricas garotas esbeltas que dividem suas rotinas estúpidas com apalermados seguidores e admiradores. Eis talvez, a ocupação mais imbecil da pós-modernidade. Em curtos vídeos exibicionistas, almas aguadas e insípidas, mostram ao mundo suas sessões de bronzeamento, clareamentos dentais, happy hours e treinos atléticos. Pílulas de depressão na sociedade do espetáculo. Doses fenomenais de narcisismo, na era do triste culto ao individualismo profano, que destrói aos bocados a capacidade humana de perceber o encanto da simplicidade. 

Gabriela Pugliesi talvez tenha obtido um novo feito.
Além de seus milhões de sedentos e invejosos seguidores, a garbosa e vigorosa garota representou exatamente o espírito atual de uma nação. Em uma "live" divulgada há alguns dias, a moça ostentou uma festinha com sinceras amigas, em meio à pandemia que já matou mais de 6 mil pessoas no país, e que nos obrigou a encarar um amargurado, mas essencial isolamento social. Com a câmera bem perto do rosto, e um belo copo de bebida, disparou:
-" Foda-se a vida!".
- "Foda-se a vida".

Eis o epitáfio que o Estado brasileiro deveria esculpir no túmulo de cada cidadão que pereceu asfixiado e afogado no desespero da busca pelo ar. Covas coletivas, subnotificação e declarações oficiais como:
 -"E daí? Não posso fazer nada".

Pugliesi não carrega a necessidade de ser um protótipo exemplar de ser humano. Afinal, não sabemos ao certo nem a profundidade dos conceitos benevolentes e até que ponto, nossos valores éticos se confirmam e fazem parte de um projeto bem sucedido de existência. Por mim, a blogueira pode fazer o que bem lhe apetecer. Se lhe couber mutilar um porquinho da índia, ou arrancar as unhas de sua irmã mais nova enquanto ela dorme, a mim pouco importa. Sempre achei a ideia de exemplo público uma asneira sem tamanho. E a comparar com a quantidade de asneiras publicadas no YouTube e nos "Instagrams" mais visitados do mundo, torturas, disparates e crimes, talvez fossem até mais interessantes.

A filosofia, e principalmente a poesia, têm em sua substância a capacidade de enxergar o horizonte na vertical. Pode muito bem sentir o cheiro adoçado dos mosquitos e escutar o ruído carnavalesco da ansiedade das lesmas. Perceber diamante onde há entulho, e detritos onde há lacunas.

Gabriela Pugliesi talvez tenha, pela primeira vez, prestado um grande serviço à humanidade. Embriagada de fama, Gin e glamour, a influenciadora resumiu em uma frase a mentalidade e o lema do brasileiro descontente. Esse brasileiro que prefere às pistolas ao coito. Que gosta das milícias, da truculência e dos coturnos de couro rasgando os lábios de um garoto negro nas ruas de uma comunidade. Esse cidadão que prega o culto à família, e que vai ao culto, guiado pelo GPS de sua imponente caminhonete, com um adesivo escrito "Eu apoio a Lava Jato". O infiel compulsivo, que evangeliza ao povo a permissão ao adultério e à agressividade masculina, e que talvez chame de "mimimi" a luta pelos direitos humanos e o justo respaldo aos trabalhadores.

- "Foda-se a vida!". De que vale tê-la, se não soubermos senti-la? Ou não possuirmos capacidade de enxergar o outro? O outro é a vida.
- "Quem procura osso é cachorro", dizia o cartaz colado no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, em alusão às buscas e investigações dos desaparecidos pela cruel e monstruosa ditadura no país.

Obrigado, Pugliesi. Pela primeira vez, vulgarizaste a verdade. A sincera e desumana autenticidade. E isso não te torna especial, nem vilã. Dicas de alimentação saudável, a anti-arte, a imbecilidade e a estupidez, continuam sendo o conteúdo possível de suas publicações.

 "O que não se tem ou o que não se sabe, também a outro não se poderia dar ou ensinar". Platão