sábado, junho 28, 2014

No Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos, há desmesurada ironia. Colocar-se crítico em relação aos próprios dilemas patológicos, julgar a verdade latente das doenças que assolam e dizimam a capacidade de sermos perficientes, plenos. Magistralmente exatos e possíveis. Pedras à espera do cinzel. Cinzéis à espera de pedras dignas, merecedoras da modificação inalterável.

Não temos tido a oportunidade de sermos fracos, ralos e medíocres. Algo residente em nossa própria alma, não nos têm permitido o medo, a incapacidade, e perversamente coage-nos a esquecer a possibilidade de ser infeliz. De estar infeliz. O homem merencório é o homem que perde. Doutrina-se de algum jeito tal axioma.

Perde-se a esposa ao fazer-se um homem comum. Malogra-se ao trabalho frente ao erro. O funcionário extraordinário, o marido que abisma, que encanta. Um filho presente, propício e independente. Resumidamente responsável. Notoriamente radiante. Uma nova característica do Übermensch nietzscheano. A ausência de libido, a labuta que esgota, um corpo lasso em busca de algo desinteressante, de um cálice de vinho, ou de um filme inculto, que faça o tempo correr.

Não. Desprovidos do direito ao desleixo, à negligência, movemo-nos ao objetivo do sexo aprimorado, duradouro e orgástico. Vestimo-nos adequadamente ao nosso emprego, condizentes ao nosso celular, e destilamos importância. Ou, ao menos, reputação. Os antidepressivos nos são incertos, nocivos. Devemos sorrir na entrevista de emprego, no supermercado e na reunião. Um homem infeliz é um homem incompetente, escasso e nada confiável. Não há vez ao homem comum. Não há sensualidade possível em ser honesto, previsivelmente humano. E como bradou Pessoa:

"Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"