sexta-feira, janeiro 15, 2021

Sexo, propaganda e plástico

Quem me conhece, sabe. Sou um incorrigível amante das particularizações da indústria. Daquilo que vem logo abaixo da alcunha, da marca. A frase ou qualificação que diferencia um produto do outro. Que faz um reles xampú tornar-se um "reconstrutor completo, sem parabenos e com micro cristais de pró-queratina". A poesia da marca. O sofisma publicitário, que categoriza o produto como especial, singular e hiper-direcionado às causas específicas, aos esmiuçados problemas e situações. O subterfúgio, a enganação e a tramóia ardilosa que aconchega o ávido consumidor às suas pueris necessidades.


Hidratantes corporais e cremes esfoliantes. Géis, capilares, fixadores, antibacterianos e finalizadores. Pré-banho, pós-banho, durante o banho e enriquecidos com óleos essenciais de andiroba, que garantem a maciez natural da pele, atingindo camadas mais profundas e garantindo resultado por mais de 48 horas. Com ácido, sem álcool e rico em proteínas da aveia. Cereja, avelã, chá verde, pitaya e urucum, todos enriquecem o frasco, num estratagema confuso, que supõe o desconhecimento do consumidor, e a perturbada confiança quase cega em uma fraudulenta especificação.


Nessa semana, em meio à enfadonha pandemia, atentei-me na drogaria ao espaço reservado aos preservativos. Camisas-de-Vênus, camisinhas, chame como desejar, não há talvez grupo mais subdividido e extraordinário para um apaixonado como eu. Essa desumana borracha, que apesar de necessária, e por vezes, imprescindível, escuda e ampara desgostosamente as trepadas que por aí sucedem, é artigo de luxo quando se trata de qualificações e especificações. Afora dos sabores que o látex tem oferecido às sedentas bocas, vulvas e cus, historicamente sem paladar, milhares de tecnologias obscuras são concedidas na prateleira mais impudica da farmácia.


Morango, framboesa e amora. As frutas vermelhas já são eruditas, clássicas coadjuvantes das categorizações. Chocolate, uva, melancia e tutti-frutti, relembram instintivamente os carrinhos da Kibon na beira da praia. Como numa regressão à mais pretérita meninez, a camisinha era agora um ChicaBon, um erótico Frutilly. E como são fecundas as possibilidades, avistei um pouco mais abaixo os sabores "Café, "Caipirinha" e "Churros". Um passeio pelo shopping, a visita de um velho amigo ou aquela conversa séria no meio da tarde, que pede o safanão da cafeína para que a alma possa assimilar o ocorrido. O café invade com elegância o sexo. Ou então o boteco, o samba e as cabrochas, pedem uma caipirinha gelada. Drinque genuinamente brasiliano, que pode remeter o coito às Minas Gerais ou a um suburbano Rio de Janeiro. Deveria-se recomendar na embalagem, talvez, a aquisição de alguns bolinhos de bacalhau, para que a experiência torne-se ainda mais intensa.


O "Churros" merece um capítulo à parte. E admira-me que ainda não tenham surgido as variações que a própria iguaria ganhou ao longo dos anos. Fálico, segundo Freud, o terceiro estágio do desenvolvimento psicossexual, em minha época de garoto o churros era devorado ereto. Vertia pelo topo um doce de leite ardente, que por vezes, caía na roupa, deixando nela um borrão característico. Hoje ele cansou. Deitou-se e recebeu um cobertor de Nutella e confeitos. Esqueceram-se da importância humana daquele semi-boquete que pratiquei durante anos nas ruas de Cidreira. Quantas camisetas amareladas, quantas queimaduras no beiço. Pois bem, o churros agora invadia verdadeiramente o sexo. Preocupava-me sobremaneira o modo como era servida a sobremesa, pois é certo que, se no preservativo viesse também o açúcar cristal e a canela, certamente machucaria com cruéis assaduras um dos envolvidos na transa. O atrito deveria ser uma preocupação, nesse caso.


Maçã-Verde, abacaxi e laranja, as camisinhas viraram uma feira. Mas as especificações técnicas também são grandiosos artifícios, que transformam o ato de agasalhar o órgão sexual em uma ousada peripécia. Texturas e tamanhos, temperaturas e poderes mágicos, essa mercadização afronta os limites da lógica e apresenta-nos inimagináveis possibilidades.


Extra-Grande (tamanho que felizmente nunca julguei a mim adequado), e termos ianques como " Skin Sexy Cherry", que além do gosto de cereja, promete a sensação de não estar usando nada, como se negasse o próprio conforto, atestando que seus produtos são uma "encheção de saco". Ou mais apropriado, uma "esvaziação" do mesmo.

Efeito fluorescente e neon, para que talvez o sexo pareça uma festa rave. Sempre tive a esperança de que brilhasse o membro no escuro, e que dessa maneira, não o perdesse numa troca rápida de posição. "Efeito Retardante"! Essa me causa um medo absoluto. O título é confuso e faz parecer que ao colocar o preservativo, começarei a idolatrar vídeos do Olavo de Carvalho e fazer sinal de "arminha" com as mãos. Além de terminar a transa com um austero:

- "Gozei, aí! Taoquêi?"


Sensitive Touch, textura que aumenta o prazer feminino, ponta com formato oval, efeito "Fire and Ice", que altera entre o quente e o frio como chuveiro elétrico de casa alugada na praia. "Elite", que talvez seja indicado ao pessoal que anda de camionete ou Mini Cooper, "Latex Free", para os pobres alérgicos, que até na cópula correm o risco de um fechamento de glote, e o incrível L9P6, que parece nome de personagem do Star Wars, mas é simplesmente uma tecnologia que ninguém sabe pra que serve, e nem o resultado.


O que importa, no fim das contas, é gozar. Mesmo que paguemos um pouco mais. E saber que a camisinha feminina, foi a pior ideia já tida por alguém, depois é claro, dos shows em Drive-In e do Cream Cheese no Temaki.