quinta-feira, setembro 16, 2021

E fora do storie?

 Fora dos Stories, você está bem?


Há de se considerar valiosas as palavras da teologia. Vindas ou não do próprio cristianismo, com Agostinho, Boécio ou os profetas, o ensinamento cristão resiste e coordena parte de nossa vontade e força vital. Mas jamais esqueci uma considerável frase de Maquiavel em O Príncipe: "O tempo lança à frente as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem". O filósofo italiano que defendia a bondade, a caridade e a moral como essenciais atributos do líder político, talvez previsse que a positividade e a quebradiça confiança de nossa geração, virasse em pouco tempo, estupidez. Alguns anos de psicanálise, filosofia, vastas ferramentas estóicas e, mesmo assim, esbarramos na mais rasteira auto-ajuda que já existiu. Afunda Dale Carnegie, surgem as páginas de frases motivacionais, e piadinhas com indiretas. Acertadamente dissipam-se Augusto Cury e Lair Ribeiro, dando espaço aos stories de Instagram e ao "Arte Sutil de Ligar o Foda-se". 


Não há como classificar o ser-humano afastado de sua rede social, tampouco do que nela exibe, ou do que nela usufrui. Somos os indignados digitais, que muito pouco agimos e criamos. Constituímos uma nova espécie de Homo Sapiens. A realização do indivíduo é a auto exploração e não mais a aventura alheia ao próprio corpo e mente. Somos "memes", que exalam solidão até mesmo quando acompanhados. Na mesa do restaurante, na lancha, com os cães no parque ou no meio da festa, somos a afirmação da completude que jamais teremos. E assim carregamos até anedotas sobre nossos defeitos, de maneira que representemos consciência e facilidade em revelar e conviver com as próprias fraquezas e imperfeições. Trapaça. Deteriorada estratégia da propaganda. Esperteza receosa e covarde, como mentir à terapeuta que o carro enguiçou, burlando a consulta.  


Demonstramos e induzimos a nós mesmos que somos muito pouco fracos, e aceitamos esquecer os nossos super poderes humanos: a apatia, a vulnerabilidade, o inconsciente e a fragilidade. O relacionamento, exempli gratia, tenta safar-se de uma colcha rochosa, lotada de bordões, chavões e estereótipos. A dissimulada robustez da alma e da razão, assalta de modo travesso o arrebatamento das paixões e a inconsistência dos sentimentos e ações, que tornam a confluência de dois amantes, algo vivo, irrequieto e desmedido. Há sentenças inabaláveis e convicções assentadas, numa campanha dramática de que conhecemos quem somos, e de que admiramos nossa maturidade e equilíbrio. Manifestamos ironias, anunciamos segurança e compartilhamos chacotas, de modo que todo suplício humano, cheire como perícia, autoconfiança. 


Afastamo-nos aqui do velho lugar-comum: Nas redes somos felizes o tempo todo. Fora dos Stories, não estamos tristes. Fora dos Stories estamos bem piores. O "empoderamento" a que fomos coagidos, reduz-nos a decoradores do mundo. Afasta-nos a tristeza causante, impulsionadora. Afugenta-nos desprovidos do verdadeiro abatimento, que empurra-nos ao dia seguinte como arte, e retira-nos o feitiço da poesia. Somos práticos, sensatos e atinados. Fingimos confiar no amor a nós mesmos, assim como há tempos fingimos preocupação com guerras civis do outro lado do planeta. Direcionamos ao próprio umbigo a mira de nossa falácia armada. E alvejamos cada vez mais nossa naturalidade depravada, insana, corrupta, utópica e sonhadora. Perdemo-nos de Nietzsche e perseguimos o Übermensch errado. Quem dera estivéssemos tristes. Fora dos Stories estamos arruinados. 


Jonas Lewis da Costa Franco