terça-feira, maio 04, 2021

Paulo Gustavo

 PAULO GUSTAVO 


Acordar é tomar uma lição. E mesmo que nos encurrale o tédio ou o relaxamento, aprender é sempre válida possibilidade. Talvez hoje o Brasil aprenda alguma coisa. Talvez desmereça, como há séculos temos feito. A morte, a tortura e a miséria, parecem-nos inquilinos insistentes, que permanecem habitando nosso ordinário cotidiano brasileiro. 


Confesso lastimoso que o humor de Paulo Gustavo nunca me conquistou. É coisa de sonoridade, de texto. Quase como música. Puro engenho do destino, da afinidade. Uma armadilha, talvez. Mas o queria vivo, fértil, hilário e feliz. O queria zelando por sua família e por seus amigos, que de primeira impressão, quase não suportam sua morte. Fato que cabe, merecidamente, aos justos, honestos e iluminados. Paulo era, nitidamente, a presença da alegria, do sucesso e do sorriso explícito, desses que escapam ao rosto, como respiro.


Paulo era também homossexual. E aqui volto ao tema do aprendizado. A quem distingue o amor e a dor humana por gênero, raça ou peso, que a morte implacável e injusta desse pai e mãe de família, sirva como dimensão. A angústia é voraz. O drama é sempre faminto, assim como o afeto e como a paixão. Devora de maneira idêntica a todos. Tal como destrói o homem, destrói a mulher, e tal como devasta o cristão, devasta o incrédulo. O amor é uma emboscada. Uma graciosa emboscada capaz de juntar dois homens para sempre. Capaz de criar filhos, de arrumar a casa, de pendurar os quadros. O fascínio de um pelo outro, e a sensação de jamais querer fugir dali. Amar é ser. É levantar da cama. 


Que o Brasil escute o choro dos que amam. E que o amor importe, tomando o lugar de condições, normas, preceitos e mandamentos. Que aprenda a venerar quem cuida, e não quem desdenha. E que politicamente, possamos incluir a delicadeza em nossas exigências. Paulo não precisava morrer. Foi vítima de um sistema grosseiro, incapaz de tomar lições e festejado por indivíduos afetivamente comprometidos. Humanamente aleijados. Paulo foi corajoso. Na UTI, no altar, como pai, mãe e amigo. E em seu testamento nos deixa mais uma oportunidade. 


E quando escutarmos alguém aclamando a economia, reverenciando torturas e divulgando inócuos medicamentos, possamos lembrar de quem sufocou. De quem se foi. E de quem somente com a morte, livrou-se de um mundo arbitrário, descuidado e desatento ao que realmente importa: amar.


A gente ama Paulo Gustavo.