terça-feira, novembro 27, 2012



Dias que não pesam na alma são como almas que não sentem os dias. Somos inteiramente um engano proposital, esperando a solução milagrosa ao fato incurável. Tenho medo da alegria. Parece-me falta de caráter declarar que os minutos não castigam-nos. Relógios parados são a felicidade de tudo, e tudo é a impossibilidade de que os relógios parem. Pessoas, conversas e intenções, ratos, cidades ou não, tudo é realmente tudo. O nada dos passarinhos, a beatitude a que fomos excluídos, perturbam a capacidade de confirmar os compromissos da felicidade humana. Sentir-se vazio é um exercício que cabe aos loucos. A simples idéia de que ao escapar dos limites de meu próprio corpo, sou o nada que não sobrevive à necessidade de ser. Ser, planejar e agir. Essa é a ilusão imensa a que submete-se o homem. Essa é a perdição sufocante que resta a mim. Imaginar como se a realidade fizesse parte de meus sonhos. Como se não houvesse sonhos. Como se não houvesse nada que não fosse o próprio nada. Vazio como o final da noite, simples como gangorra de praça.
              
Passara numa rua próxima ao trabalho. Alterava outra vez o caminho de volta. As calçadas cheiravam à goiaba. Parecia que as recém caídas carregavam alguma peculiaridade no aroma, diferenciando-se das que ainda aos galhos agarravam-se. Podia sentir que aquelas, ainda redondas e recheadas, cheiravam como casca, como cesta lotada à espera de um devorador. Outras pobres esparramadas pelo chão, cheiravam à morte. Sementes e polpas perdidas. Vi-me tão inexistente quanto o esparramado de sementes no concreto útil aos pedestres. Tinha peregrinos na alma e a impossibilidade de renascimento tão concreta quanto a sabedoria de uma semente.  
         
Via nas possibilidades do sol alguma mudança primordial que diferenciava o aroma dos dias. Eram escuros, intensos, lotados de velas acesas ou propícios para o pranto incessante. Se os dias fossem realmente idênticos, talvez nós, pedestres, motoristas e passageiros, fossemos diferentes um do outro. Não da maneira que fingem as professoras, ou que comprovam os inteligentes, mas de maneira certa, como as possibilidades do dia. Pedestres, motoristas e passageiros. Que mais somos? Parecemo-nos aonde com algo distinto à isso? A impotência frente ao desafio da liberdade. Motos, cadernos, fogões e panelas. A vida não se divide em etapas, como atestam os mesmos professores e inteligentes. A vida divide-se nela mesma, como vento carregando vento. 

segunda-feira, novembro 12, 2012

Da Violência


                Alguns séculos de existência e a mania incessante de negar as guerras. Levantes, revoltas e inquietações firmam nossa trivial capacidade de fazer-nos humanos. Há quem reflita-se pacífico. Há os que se consideram pacatos e sossegados. Ilusão. Útil equívoco aos labirintos da mente, que frente ao caos, lamenta-se por fazer parte das catástrofes. As reclamações frente ao vizinho, as queixas ao taxista e a indignação com a política, com a segurança, são métodos práticos de encenarmos a paz que jamais praticamos. Somos o que Hobbes considerou os lobos de nós mesmos, e temos incrível tendência ao ódio, ao crime e à violência. Sem o problema, não havemos. Sem a hostilidade e seu frenesi, não somos mais do que espectadores infelizes de uma peça vazia, desprovida de luzes e ausente dos atores.
              
                 Manifestações de repúdio, atos indiretos de cidadania. O ódio ao ódio é o que nos sobra enquanto habitantes das cidades, das vilas, da internet e dos círculos sociais. Bradamos contra a morte, protestamos a favor de uma paz que não sabemos do que se trata. Criamos a imprensa e a imprensa nos criou. Testemunhas diárias de suas tragédias, ouvintes assíduos de confusões que nem bem existem. O jornalismo, a publicidade, são homens enganando homens, que por sua vez, pensam enganar outros homens, mendicantes, estéreis sociais e fracos. E o círculo fecha-se como maldição. Os desprovidos, violentos e sedentos pela nova fatalidade, somos nós. O criador educado pela cria. O público ávido, que espera sentado os novos assaltos e as novas trapaças, que torna-se saborosa e nutritiva, quando ocorre próxima, mas não tão próxima que a nós atinja diretamente.