quinta-feira, julho 09, 2020

Bolsonaro é fã da MORTE


Impressiona-me ainda não termos falado da razão primordial que faz o presidente encarar a pandemia, do modo que encara. Admirador de Ustra, afeiçoado aos fuzis, metralhadoras e enfeitiçado por pistolas e munições, Bolsonaro é incapaz de demonstrar vivacidades nos olhos. Eleito Presidente da República, foi à posse com olhos desconfiados, iracundos. Em público, onde talvez sinta-se comodamente à vontade o comandante, Messias manifesta cólera, zanga e revanche.
Poderíamos ter escolhido um inveterado fã de Frank Zappa, um monge dedicado ao silêncio e à resiliência. 

Poderíamos ter no poder um cinéfilo compulsivo, que deixasse de trabalhar para assistir repetidamente os símbolos da Nouvelle Vague, ou os delírios de Fassbinder. Que fosse fascinado pelos olhares imensos de ilustrações japonesas ou amasse as esculturas romanas, e o braço ligeiramente hasteado de Augusto de Prima Porta, primeiro imperador. Poderiam cintilar os olhos do presidente ao ver e sentir a arquitetura quadriculada de Zaha Hadid, ao projetar o Centro Rosenthal de Arte Contemporânea, nos Estados Unidos da América. Turgenev, Nabokov ou até Dostoyevsky, poderiam fazer o presidente fantasiar, apaixonar-se e até colecionar uma bela quantidade de exemplares em russo de obras fenomenais. Os Sertões, Vidas Secas e O Cortiço. Espumas Flutuantes ou Dona Flor e seus dois maridos, poderiam repousar na cabeceira do capitão, acompanhados de um bom conhaque ou mesmo de uma gelada Coca Cola. Caminhadas, grupos de ciclismo e peladas seguidas de churrascos e cerveja barata. Montanhismo, autoramas e veículos esportivos, nada disso interessa ao nosso comandante.

Não traçamos esse destino. Nomeamos o olhar vazio, amargurado e autodestrutivo. Bolsonaro não gosta de nada. Nem de exibir-se ou ter acariciado o ego. Aquarelas, aulas de ginástica, canastra, Truco ou até mesmo, a história das guerras, combates e contendas a que dedicou-se a humanidade por tanto tempo. O presidente é inapetente, indiferente à quase tudo. Inflexível e duro como a própria morte, encara uma pandemia que pode eliminar milhares de cidadãos, com desapego, menosprezo e insensibilidade. Bolsonaro é fã da morte.

O microscópico patógeno que pode devastar, e que anda devastando, parece-lhe simpático, cordial. Os olhos do presidente são incapazes de brilhar, e frente à morte, sua principal emoção, parece que lhe sobra um tanto de diversão, de entretenimento. Não há fuzis, rajadas e porões de tortura. Há sim os que ousam desafiar seu verdadeiro e inescrupuloso conselho:
- "Saiam às ruas. Alguns morrerão, outros sofrerão. O ar será escasso e a asfixia será fatal, mas precisamos trabalhar."


Ao presidente não vale sobreviver. Não interessa conhecer a Toscana, subir Machu Picchu, sobrevoar a Capadócia em um balão colorido ou transar até amanhecer numa pousada pequena da Bahia. Em Bolsonaro não há vida. E se não há vida, não deve haver reverência à ela. A vida é cansativa, maçante e limitada.

O capitão, de terno, já parece trajado ao próprio funeral. E o Brasil, desarrumado, desleixado e relapso, ainda merece conhecer as proezas que só a vida permite-nos realizar.

Eu vejo coisa nas coisas,
Passo despercebido.
Escondo entre os dentes um tipo não tão raro de pássaro.


Vejo as mulheres ninho. As muito certas como mesa.
Descubro nos quadris, lágrimas e panturrilhas.
Riachos que de tão reais, viram copo, mágoa derramada.

Tens um tanto de asas, um abraço entre as coxas. Como se de repente houvesse um fiorde. Uma vila, um alçapão.

E como percebo as quedas, as insanidades. Como as agarro, apaixonado.

Talvez a razão seja serpente. As intuições uma invasão.

Me pus a pensar em ti. E senti de repente o gosto das coisas.
De todas.
Influenciadores Digitais. Os Digital Influencers, como conhecidos na língua surgida nos reinos anglo-saxônicos da Inglaterra. Youtubers, blogueiras e histéricas garotas esbeltas que dividem suas rotinas estúpidas com apalermados seguidores e admiradores. Eis talvez, a ocupação mais imbecil da pós-modernidade. Em curtos vídeos exibicionistas, almas aguadas e insípidas, mostram ao mundo suas sessões de bronzeamento, clareamentos dentais, happy hours e treinos atléticos. Pílulas de depressão na sociedade do espetáculo. Doses fenomenais de narcisismo, na era do triste culto ao individualismo profano, que destrói aos bocados a capacidade humana de perceber o encanto da simplicidade. 

Gabriela Pugliesi talvez tenha obtido um novo feito.
Além de seus milhões de sedentos e invejosos seguidores, a garbosa e vigorosa garota representou exatamente o espírito atual de uma nação. Em uma "live" divulgada há alguns dias, a moça ostentou uma festinha com sinceras amigas, em meio à pandemia que já matou mais de 6 mil pessoas no país, e que nos obrigou a encarar um amargurado, mas essencial isolamento social. Com a câmera bem perto do rosto, e um belo copo de bebida, disparou:
-" Foda-se a vida!".
- "Foda-se a vida".

Eis o epitáfio que o Estado brasileiro deveria esculpir no túmulo de cada cidadão que pereceu asfixiado e afogado no desespero da busca pelo ar. Covas coletivas, subnotificação e declarações oficiais como:
 -"E daí? Não posso fazer nada".

Pugliesi não carrega a necessidade de ser um protótipo exemplar de ser humano. Afinal, não sabemos ao certo nem a profundidade dos conceitos benevolentes e até que ponto, nossos valores éticos se confirmam e fazem parte de um projeto bem sucedido de existência. Por mim, a blogueira pode fazer o que bem lhe apetecer. Se lhe couber mutilar um porquinho da índia, ou arrancar as unhas de sua irmã mais nova enquanto ela dorme, a mim pouco importa. Sempre achei a ideia de exemplo público uma asneira sem tamanho. E a comparar com a quantidade de asneiras publicadas no YouTube e nos "Instagrams" mais visitados do mundo, torturas, disparates e crimes, talvez fossem até mais interessantes.

A filosofia, e principalmente a poesia, têm em sua substância a capacidade de enxergar o horizonte na vertical. Pode muito bem sentir o cheiro adoçado dos mosquitos e escutar o ruído carnavalesco da ansiedade das lesmas. Perceber diamante onde há entulho, e detritos onde há lacunas.

Gabriela Pugliesi talvez tenha, pela primeira vez, prestado um grande serviço à humanidade. Embriagada de fama, Gin e glamour, a influenciadora resumiu em uma frase a mentalidade e o lema do brasileiro descontente. Esse brasileiro que prefere às pistolas ao coito. Que gosta das milícias, da truculência e dos coturnos de couro rasgando os lábios de um garoto negro nas ruas de uma comunidade. Esse cidadão que prega o culto à família, e que vai ao culto, guiado pelo GPS de sua imponente caminhonete, com um adesivo escrito "Eu apoio a Lava Jato". O infiel compulsivo, que evangeliza ao povo a permissão ao adultério e à agressividade masculina, e que talvez chame de "mimimi" a luta pelos direitos humanos e o justo respaldo aos trabalhadores.

- "Foda-se a vida!". De que vale tê-la, se não soubermos senti-la? Ou não possuirmos capacidade de enxergar o outro? O outro é a vida.
- "Quem procura osso é cachorro", dizia o cartaz colado no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, em alusão às buscas e investigações dos desaparecidos pela cruel e monstruosa ditadura no país.

Obrigado, Pugliesi. Pela primeira vez, vulgarizaste a verdade. A sincera e desumana autenticidade. E isso não te torna especial, nem vilã. Dicas de alimentação saudável, a anti-arte, a imbecilidade e a estupidez, continuam sendo o conteúdo possível de suas publicações.

 "O que não se tem ou o que não se sabe, também a outro não se poderia dar ou ensinar". Platão