quarta-feira, julho 12, 2017

Pedido


Notoriamente, não tenho a receita que cura os problemas humanos. Tanta vacuidade, tantos distúrbios e disfunções, que chego a pensar em caso perdido, irremediável. Séculos de psicanálise, prateleiras de medicamentos, tarjas, receitas e rezas, solitárias ou coletivas, e as inquirições ainda molestam nosso merecido remanso. Conquanto, tenho convencido-me que há uma palavra, que em substância e compreensão, parece fantasiar o mundo. Como se, com ela, esquecêssemos da obrigação, das deficiências e emergências habituais. Como se vestíssemos a habilidade em viver melhor. Tenho pensado nessa palavra a cada fila de supermercado, a cada conversa e a cada demonstração apedeuta de incapacidade humana. Penso nessa palavra ao sentar ao piano, ao escutar o barulho de um bicho ou a relembrar uma foto antiga. A palavra é DELICADEZA. Substantivo feminino, muitas vezes associado à frágil constituição física, à debilidade e à fraqueza. Outras vezes, e assim melhor utilizada, pode significar sutileza, particularidade, minúcia ou algo que a mim encanta particularmente, chamado "detalhe imperceptível". E há mais delicadeza em saber que em tudo há o imperceptível? Que na verdade, o explícito é vulgar e o evidente é uma afronta à capacidade humana? 

A delicadeza é o sustentáculo da poesia, a garantia de que em algo há arte. A incerteza que faz da existência algo fabuloso, e não insípido, pálido e inexpressivo. O fascinante é perceber como a delicadeza é poderosa, que pode até na palidez perceber poesia. Pode achar encantamento no que é feio, no que é exagerado e no que é medonho. Pode inverter o deslumbrante e perceber na sarjeta um tanto de ouro. Pode até desfazer o valor do ouro e transformá-lo em resto, porcaria. Sem querer, tenho deixado que a delicadeza tome conta de meus dias. Tenho até tentado sonhar com ela. E num mundo de reivindicações, e de condenações ao espírito bruto, machista, grosseiro, tenho a delicadeza como ferrolho. Me agarro à ela como criança em sua mãe e pretendo deixá-la escoltar minha humanidade. 

Tenhamos então delicadeza ao acordar. Sejamos delicados ao assistir um filme, posto que no cinema, quase tudo que é mágico, passa por delicado filtro de poesia. Escutemos canções com delicadeza, e tenhamos com ela relação íntima ao descobrir uma música perdida no mundo da não existência. 

Gritemos com delicadeza, e até aborrecemo-nos com ela. Leiamos dessa maneira, longe da exigência dos significados e das frias noções. Sejamos delicados ao encontrar o outro, e saibamos perceber delicadeza no que vem de fora ao encontrar-nos. Olhemos paisagens com ela, lagoas com ela e animais com ela. Tenhamos entusiasmo e contundência, vigor e impetuosidade, visto que a delicadeza não impede nada, nem mesmo a fúria ou o rigor. Sejamos delicados ao sorrir e gargalhar, ao escrevermos um bilhete ou um livro. Que em nossos brindes ela esteja, e que em nossa comida se possa perceber o requinte da delicadeza em nosso paladar. Que do mais simples se possa perceber a delícia, e que do mais complexo se possa tentar distinguir as nuances, os entretons e as entrelinhas. Pois da vida sem entrelinhas, sem alegorias e sem prazeirosas percepções, prefiro a delicadeza da morte. Que saibamos também perceber delicadeza nela, e que a todo momento possamos nos lembrar dessa palavra: DELICADEZA.