segunda-feira, dezembro 21, 2015

O machismo também destrói os homens



Certa vez conheci uma moça. Omitindo os pormenores, fomos pra cama. Eu, mesmo sem uma gota de álcool no sangue, vencendo com honras o teste do bafômetro, brochei. Me enxerguei ali, nu, exposto ao ultrajante fato de não ter funcionado como homem. E desprovido de uma digna justificativa Shakespeariana, como a bebida. Foi uma semana pesada, lotada de desconfiança e visitas a doutores que fundamentavam a ocorrência às causas psicológicas. Muito trabalho, desassossego e ansiedade. Afinal, tratando-se de uma conseqüência aos processos naturais da existência, não havia eu cometido um crime. Havia sim falhado à expectativa maior daquele tio macho, que cobrava dos sobrinhos uma atitude máscula, varonil. Havia ferido o código dos amigos do bar, e com certeza, não hesitaria em guardar segredo.


Certa vez, ao ser ofendido em público no pátio da universidade, magoei novamente as exigências do meu tio. Preferi a retirada, renunciei à porrada, e escolhi ficar ali, quieto, lotado de humilhações e insultos. Voltei aos doutores e busquei entender o por que de estar à mingua minha condição masculina. Onde andaria a virilidade que me foi cobrada na família, pelos malandros do boteco, ou por minha própria mãe, esperando criar o "homem da casa"? Alguém que tomaria as decisões e pudesse não falhar novamente, como falhei com minha esposa ao não saber trocar o pneu do carro. Desço, olho a tragédia no meio da estrada e telefono a pedir ajuda. O homem que vem a mim, contempla-me com desdém, e uma espécie de prazer por avistar à frente, a evidência de que suas mãos sujas de graxa espezinhavam em minha ignorância quanto aos parafusos e chaves de rosca. Ah, se soubesse disso meu tio macho. Por certo desconfiaria ainda mais de minha masculinidade, e tentaria deglutir a certeza de tratar-se de um sobrinho maldito. Um homossexual. O que viria dali? Onde iria parar essa frescura? Conseguiria pagar as contas e sustentar a esposa? Chegaria tarde em casa espalhando os pés numa poltrona, à espera que a mulher me arrancasse as botas sujas de terra?


Perdi corridas, levantei menos peso que a moça ao lado, num daqueles aparelhos de fazer músculos. Não tive força para abrir o vidro de pepinos, e fui ridicularizado ao informar o grupo que gosto de mijar sentado. Quando usei um anel, haveria meu tio de confrontar-me, e num instante de resignação, preferi retirar o adorno a ser chamado de "maricas". Afinal, dos homens maricas a família esperava muito pouco.


Meu tio, hoje falecido, ainda assombra-me com alguma presença. Fiel assiduidade em garantir que todos os machos sejam machos. Meu tio, é tio de todos vocês.